Durante treinos e competições podem ocorrer distúrbios decorrentes de falhas na reposição hídrica, eletrolítica e de substrato energético, que podem prejudicar diretamente a tolerância ao esforço e colocar em risco a saúde do atleta.
Essas ocorrências são observadas com mais frequência nos esportes de longa duração, pois são influenciadas principalmente pelas condições ambientais, além de diferenças e alterações no compartimento dos líquidos corporais, na termorregulação, na composição do suor, na desidratação e na reposição hidroglicoeletrolítica.
PARECE COMPLEXO! MAS FIQUE CALMO!
Os líquidos corporais estão distribuídos nos compartimentos intra e extracelular, sendo que ambos possuem constituição semelhante, mas concentrações distintas de solutos (ou seja, de sais). É extremamente comum vermos atletas com um desbalanço entre a saída e a entrada de água e de solutos/sais.
Desta forma, é essencial a manutenção de um volume relativamente constante e de uma composição estável destes solutos nos líquidos corporais para o equilíbrio do organismo antes, durante e após a prática esportiva. Lembrando que temos perdas diárias por meio da urina (cerca de 100ml/hora), pela pele e pelo trato respiratório (cerca de 700ml/dia), fezes (100ml/dia) e pelo suor (varia e pode chegar até dois litros por hora durante a prática de exercícios físicos).
A necessidade diária de ingestão de líquidos pode variar grandemente entre indivíduos, pois é influenciada por condições ambientais e pelas características da atividade física executada (duração da sessão, intensidade do exercício e vestimentas), que interferem na TERMORREGULAÇÃO.
Para entender um pouco sobre a termorregulação, é preciso saber que durante o exercício praticamente 75-80% da energia é transformada em calor dentro do organismo e apenas 25-30% dessa energia se transforma em energia mecânica, responsável pelo movimento.
Assim, o mesmo processo para a geração da energia mecânica que proporcionou o movimento também é responsável por gerar energia térmica (calor), que se acumula e eleva a temperatura corporal. Para que o calor seja dissipado, o nosso corpo ativa mecanismos termorregulatórios, evitando colapso devido ao superaquecimento.
O mecanismo termorregulatório mais eficaz é a evaporação do suor.
MAS O QUE ISSO TEM A VER COM HIDRATAÇÃO, AFINAL?
Em casos de desidratação, este processo de termorregulação fica comprometido e com o aumento da temperatura central vemos a gradativa diminuição do desempenho físico – que pode até culminar em colapso, exaustão e insolação, ocasionando até mesmo a morte do atleta nos casos mais extremos.
(lembram da Sarah True na maratona do IM Frankfurt 2019?)
Quando o corpo realiza a termorregulação via o suor, há uma consequente diminuição dos líquidos corporais – de forma que esta perda de água e eletrólitos precisa ser resposta no intuito de evitar sérios transtornos agudos, como:
– hipovolemia (diminuição do sangue circulante);
– superaquecimento corporal; e
– transtornos crônicos como a hiponatremia.
É possível avaliar o grau de desidratação por meio do peso imediatamente antes e após o exercício. Cada 0,5kg perdido corresponde a aproximadamente 480-500ml de líquido. Uma redução de 1,9% do peso corporal pode diminuir o desempenho da marcha e o consumo máximo de oxigênio em respectivamente 22% e 10%; enquanto uma redução de 4,3% diminui os mesmos parâmetros em respectivamente 48% e 22%.
OU SEJA, a não reposição dos líquidos pode ter impacto direto no desempenho.
Os sintomas de uma desidratação leve a moderada são:
– fadiga;
– perda de apetite;
– sede;
– pele vermelha;
– intolerância ao calor;
– tontura;
– oligúria; e
– aumento da concentração da urina.
Já a desidratação grave causa:
– pele seca e murcha
– olhos “fundos”;
– visão fosca;
– delírio;
– espasmos musculares;
– choque térmico; e
– coma, podendo evoluir para óbito.
A reposição inadequada e/ou a super-hidratação podem contribuir para a hiponatremia, cujos sinais e sintomas, muitas vezes semelhantes aos da desidratação, FIQUEM ATENTOS!
Em eventos de mais de três horas de duração, como ultramaratonas e Ironman, a intensidade de esforço situa-se entre 30 e 70% do consumo máximo de oxigênio e, além da reposição hídrica e do substrato energético, há necessidade do fornecimento de eletrólitos ao atleta, principalmente de SÓDIO.
De maneira geral, o volume a ser ingerido varia conforme a taxa de sudorese, que pode variar de 500 a 2.000ml/h. Em competições de longa duração, ou com duração maior que três horas, é recomendado iniciar a hidratação com 250 a 500ml de água duas horas antes do exercício e manter a ingestão de líquido a cada 15-20 minutos durante. Recomenda-se a ingestão de 300 a 500ml de água antes da prova e de 500 a 1.000ml por hora de atividade.
É importante ressaltar que a temperatura da bebida a ser consumida durante a atividade deve ser entre 5 e 15ºC. Após o exercício, a ingestão de líquido deve continuar para que sejam supridas as perdas adicionais pela urina e sudorese (Diretrizes da Sociedade Brasileira de Medicina Esportiva).
MANTENHA-SE BEM HIDRATADO, NÃO ESQUEÇA DE CONSULTAR UM PROFISSIONAL E BONS TREINOS!
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