Guia Detalhado de Zonas de Treinamento No Ciclismo – PARTE 2

Por TT TEAM

31/08/2020

  • SOBRE TREINOS

1. Zonas de treinamento com base em FTP ou em Freqüência Cardíaca (FC)

2. Zonas de treinamento polarizado

3. Modelo de iLevels ou Intervalos Otimizados

2. TREINAMENTO POLARIZADO

Um dos modelos mais “simples”, e que possui já grande embasamento científico e teórico, é o modelo polarizado de zonas de treinamento. Muito utilizado por atletas de elite de diversas modalidades, este sistema de 3 zonas parece mais simples do que realmente é.

Apesar de parecer um modelo bastante fácil de ser seguido, na minha experiência pessoal ele não funcionaria para a grande maioria dos atletas amadores, especialmente por mais do que um período específico, uma vez que ele torna o treinamento um tanto quanto maçante! Mas falaremos sobre isso na sequência.

Em termos técnicos, ao contrário do modelo de 7 zonas apresentado na PARTE 1 deste guia, que é ancorado em uma única métrica (FTP, limiar FC ou FC máxima), o modelo polarizado utiliza dois pontos de corte fisiológicos, definindo assim condições metabólicas específicas do corpo. Estes pontos de corte podem ser tanto o primeiro e segundo limiar ventilatório ou o primeiro e segundo limiar de lactato, a depender do protocolo de teste utilizado.

RELAÇÃO COM AS ZONAS “TRADICIONAIS” DE POTÊNCIA/FC

Na teoria, as zonas para o treinamento polarizado são definidas com base em testes em laboratório, uma vez que é necessário definir a relação entre os níveis de lactato e o output de potência do atleta.

O limiar superior para a Zona 1, LT1, na sigla em inglês Lactate Threshold 1, refere-se ao primeiro ponto de inflexão da curva de lactato, comumente chamado de Limiar Aeróbio. É o ponto que marca justamente a troca de metabolismos. Todo trabalho realizado abaixo deste limiar é exclusivamente realizado pelo metabolismo aeróbico e, na teoria, pode ser sustentado por diversas horas.

Por sua vez, o limiar superior para a Zona 2, LT2 (Lactate Threshold 2), é o ponto em que o lactato produzido excede o que o corpo é capaz de “limpar”, gerando assim um acúmulo de lactato.

Como já mencionamos na PARTE 1, o acompanhamento e revisão das zonas de treinamento deve ser realizado de forma periódica. Por isto, uma das principais dificuldades da real aplicação do modelo polarizado é justamente os testes de laboratório necessários para definição correta das duas variáveis em questão e, portanto, das zonas de treino.

Não há dúvidas de que o método mais preciso para determinar os limiares de lactato é por meio de testes de laboratório e amostras de sangue, porém pouquíssimos tem acesso e os recursos necessários para realizar os testes neste formato de maneira rotineira. A saída aqui são as estimativas de limiar de potência com base nos dados extraídos de testes em campo.

AS ZONAS DO TREINAMENTO POLARIZADO

Zona 1: baixa intensidade, treino leve/rodagem abaixo do limiar aeróbio

Zona 2: a famosa terra de ninguém, ou Sweet Spot ou Tempo

Zona 3: alta intensidade

Zonas no Treinamento Polarizado

De acordo com o Dr. Stephen Seiler, grande defensor do modelo polarizado de treinamento, atletas de elite dividem seus treinos em 80% Zona 1, praticamente nada em Zona 2 e 20% em Zona 3. Este parâmetro é válido para quantidade de treinos. Em termos de horas de treino, os números ficam mais próximos de 90% em Zona 1 e 10% em Zona 3. Ou seja, quando trabalhamos com o modelo polarizado, existe apenas o muito leve e o muito forte – os treinos em Z3 (no modelo de 7 zonas: tempo/sweetspot) quase não existem.

Conforme comentado no início, é sabido que este modelo de treinamento é amplamente aplicado em atletas de elite das mais diversas modalidades, como observado nos gráficos abaixo:

Billat et al. Training and bioenergetic characteristics in Elite Male and Female Kenyan Runners. Med. Sci. Sports Exerc . 35(2), 297 304, 2003
Seiler & Kjerland. Quantifying training distribution in elite endurance athletes: is there evidence of an optimal distribution? Scand. J. Med. Sci. Sports. 16, 49-56, 2006
Espen Tønnessen, Øystein, Sylta,Thomas A. Haugen, Erlend Hem, Ida S. Svendsen, Stephen Seiler. The Road to Gold: Training and Peaking Characteristics in the Year Prior to a Gold Medal Endurance Performance. 2014

Este conceito é extremamente válido, especialmente quando vemos atletas realizando os treinos leves, não tão leves assim e os treinos fortes, mais fraco do que deveriam! Quando não se respeitam as zonas propostas e o atleta erra consistentemente na execução do treino, a capacidade de melhora do organismo (stress x recuperação),  fica prejudicada e ele pode se colocar em uma zona cinza, aonde o treino acaba por não levar a uma melhora e pode até levar a um cenário de overreaching e/ou overtraining.

Quando se utiliza o modelo polarizado, uma vez que os estímulos são realizados em intensidades iguais ou acima do VO2max, é necessário diligência por parte do atleta para entender que os intervalos para recuperação devem de fato ser muito leves, assim como as sessões em Zona 1.

Vale ficar de olho nos treinos em Zona 1, uma vez que dependendo do tempo do treino (no caso um longo acima de 1h30), pode haver o que chamamos de drift cardíaco. Aqui é importante ressaltar que as condições ambientais, nutricionais e hidratação, pode interferir bastante aqui. Se você realmente estiver em Zona 1, sua frequência cardíaca com 15 minutos deveria ser a mesma com 60 e desta forma, não perder o próximo do treino.

PROS E CONTRAS DO TREINAMENTO POLARIZADO

Assim como falamos no início deste texto, a utilização do treinamento polarizado para atletas amadores pode acabar tornando o treinamento um pouco maçante e difícil de ser seguido – o que por vez tira do jogo um fator motivacional importante, uma vez que fica difícil do atleta enxergar os pequenos ganhos ao longo do programa de treino.

Isto ocorre porque, seguindo as diretrizes do treinamento polarizado, se considerarmos um atleta que treina 7 horas por semana, os seus treinos seriam aproximadamente:
– 45 minutos de alta intensidade em Zona 3 (forte)
– 6h15 de treinos leves em Zona 1 (leve/muito leve)

E todos sabemos da dificuldade do atleta de manter seu esforço leve. Os treinos leves e sem estímulo apesar de serem importantes para a capacidade aeróbia do atleta, não são muito atraentes, ainda mais quando essa rotina é repetida durante algumas semanas.

Desta forma, alguns dos downsides do treinamento polarizado são:


● Não há especificidade de prova;
● Janela pequena de tempo para trabalhar com treinos intervalados e de intensidade, o que pode levar a um plateau de performance, uma vez que existe um teto para aumentar volume;
● Programa difícil de seguir caso atleta não esteja trabalhando com alto volume semanal;
● Treinos podem desincentivar o atleta quando em comparação com os colegas;

O que é interessante, no entanto, sobre o treinamento polarizado são os seguintes itens:


● Treino com grande ênfase em melhorar a capacidade aeróbia ;
● Ênfase na “repetibilidade” dos esforços, não potência máxima ;
● Treinamento simples de ser seguido, uma vez que as zonas forem estabelecidas corretamente;
● Ter a maior parte dos dias realmente leves e segregar os treinos fortes em um dia específico ajuda a reduzir a carga de stress mental para estes treinos fortes;

Ao priorizar o treinamento de baixa intensidade, o modelo polarizado prioriza o desenvolvimento do sistema aeróbio. Esta baixa intensidade promove adaptações musculares como aumento da densidade mitocondrial e melhora da capacidade de oxidação de gordura. Uma vez que esse sistema é a base de qualquer esporte de endurance, este modelo merece uma atenção.

Em um próximo momento, falaremos um pouco mais sobre a aplicabilidade e especificidade de cada um destes modelos.